Sola Gratia
Guy Prentiss Waters
Teologia
“Maravilhosa Graça! Quão doce o som que salvou um miserável como
eu!”; “Maravilhosa graça do nosso amado Senhor, a graça que excede o
nosso pecado e a nossa culpa”. “Maravilhosa graça de Jesus, maior do que
todos os meus pecados, como a minha língua deveria descrevê-lo, por
onde deveria começar o seu louvor?”.
Os cristãos adoram cantar sobre a graça salvadora de Deus – e com
razão. João nos diz que de Jesus “todos nós temos recebido da sua
plenitude e graça sobre graça” (João 1:16). Muitas das cartas do Novo
Testamento começam e terminam com os escritores expressando seu desejo
de que a graça de Jesus estivesse com o seu povo. As últimas palavras da
Bíblia são: “A graça do Senhor Jesus seja com todos. Amém” (Apocalipse
22:21).
Os reformadores entenderam a importância da graça de Deus para o
ensino bíblico sobre a salvação. De fato, um dos lemas que vieram a
definir o ensino da Reforma era sola gratia, que é o latim para “somente pela graça”. Os cristãos são salvos somente pela graça de Deus.
Entre os protestantes, existe uma conhecida incompreensão e uma
distorção do ensino da Igreja Católica Romana sobre a graça. Às vezes é
dito: “Roma ensina que somos salvos pelas obras, mas os protestantes
ensinam que somos salvos pela graça”. Esta declaração, mesmo sendo
comum, é uma calúnia contra a Igreja Católica Romana. Roma não ensina
que alguém é salvo pelas obras à parte da graça de Deus. Ela, de fato,
ensina que uma pessoa é salva pela graça de Deus.
A que, então, Roma objetou no ensino dos reformadores? Onde está a
linha que diferencia Roma da Reforma? Encontra-se em uma única palavra –
sola (“somente”). Os reformadores sustentavam que o pecador é
salvo pela graça de Deus, o seu favor imerecido, somente. Essa doutrina
significa que nada que o pecador fizer pode trazer-lhe o mérito para
obter a graça de Deus, e que o pecador não coopera com Deus, a fim de
merecer a sua salvação. A salvação, do começo ao fim, é o dom soberano
de Deus para os indignos e não merecedores. Conforme Paulo escreveu aos
cristãos de Corinto que estavam inclinados a vangloriar-se: “Pois quem é
que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o
recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1
Coríntios. 4:7). Ninguém pode estar diante de Deus e dizer: “Olhe para
mim e veja o que eu fiz!” Deus não é devedor de ninguém, nem mesmo em
matéria de salvação (Romanos 11:35).
Uma passagem da Escritura na qual a doutrina da salvação somente pela
graça brilha é Efésios 2:1-10. Paulo escreveu aos Efésios, depois de
ter ministrado entre eles por cerca de três anos (Atos 20:31). Está
claro a partir do livro de Atos dos Apóstolos que Paulo dedicou-se
profundamente a pregar e ensinar a Palavra de Deus para eles (19:8-10,
20:20-21).
A carta aos Efésios nos dá um vislumbre do banquete de ensino que
Paulo havia colocado diante daquela igreja. No primeiro capítulo, Paulo
leva-nos para os “lugares celestiais” (1:3). Ele nos mostra o plano do
Pai para salvar os pecadores através da obra de seu Filho, uma obra que é
aplicada e garantida pelo Espírito. Este plano é um plano generoso – o
Pai “nos abençoou em Cristo com todas as bênçãos espirituais” (v. 3).
Acima de tudo, Paulo enfatiza como esse plano de redenção redunda em
louvor da gloriosa graça de Deus (vv. 6, 12, 14).
Depois de uma pausa para agradecer a Deus e interceder pelos Efésios,
Paulo aplica as realidades celestiais de 1:3-14 às nossas vidas cristãs
individuais em 2:1-10. Ele destaca duas vezes o fato de que “pela graça
sois salvos” (2:5, 8). Como é a graça de Deus evidente na salvação? Nós
vemos a graça de Deus em evidência, Paulo diz, quando Deus faz com que o
morto viva em Cristo. Para apreciar plenamente a graça de Deus, vamos
considerar a partir de Efésios 2:1-10 o que significa estar “morto” e o
que significa estar “vivo”.
Quem são os “mortos”? Os Efésios estão incluídos. (“Vocês estavam
mortos em... delitos e pecados...”, v.1). Inclui Paulo e seus
companheiros judeus. (“Nós todos vivíamos nas paixões da nossa carne”,
v. 3). De fato, inclui todo homem, mulher e criança em Adão. (“[Nós]
éramos por natureza filhos da ira, como o resto da humanidade”, v.3). A
palavra “mortos” inclui pessoas como você e eu.
O que significa estar "morto"? Paulo aponta para três coisas nesta
passagem. Primeiramente, isso significa estar sob condenação. Antes de
Cristo, estávamos “mortos nos delitos e pecados nos quais [nós] uma vez
andávamos”. Deus disse a Adão em Gênesis 2, que a morte é a penalidade
para o pecado. Quando violamos a lei de Deus, nós somos culpados perante
este Deus santo, e responderemos perante a sua justiça. Em segundo
lugar, estar morto significa que estávamos debaixo do jugo. Servíamos a
três mestres: o mundo (“seguir o curso deste mundo”, 2:2), a carne
(“todos nós vivíamos segundo as paixões da nossa carne, realizando os
desejos do corpo e da mente”, 2:3), e o Diabo (“seguindo o príncipe do
poder do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência”,
2:2). Em terceiro lugar, estar morto significa que estávamos sob a ira.
Nós “éramos por natureza filhos da ira, como o resto da humanidade”
(2:3). Estávamos justamente sujeitos ao descontentamento santo de Deus
por causa do nosso pecado. Éramos assim “por natureza” - em outras
palavras, nascemos nessa condição.
Muitos não aceitam esse ensinamento. Fora da igreja, muitos assumem
que as pessoas são basicamente boas. Elas tendem a acreditar, pelo menos
implicitamente, que se dermos às pessoas uma educação adequada, os
exemplos ou leis, então eles vão seguir o caminho certo. Leis justas,
exemplos nobres e educação adequada são inestimáveis, mas são impotentes
para mudar um coração comprometido com sua rebelião contra Deus. Dentro
da igreja, muitos já disseram e ainda dizem que as pessoas estão
doentes, e até mesmo desesperadamente doentes. No entanto, ainda diz-se a
esses doentes que eles têm os recursos necessários para responder e
cooperar com a graça de Deus. Mas Paulo não diz que estamos doentes. Ele
diz que, longe de Cristo, nós estamos mortos. Espiritualmente falando,
somos cadáveres no chão, sem Jesus. Não podemos nos aproximar de Deus,
assim como um cadáver não pode reunir forças para sair de seu túmulo.
Assim é o quão ruim estamos quando estamos longe de Cristo.
Felizmente, Paulo não termina por aí. Começando no versículo 4, Paulo
se volta de nós para Deus, do mal que fizemos para o bem que Deus está
fazendo em Cristo. Ele destaca três coisas sobre a graça de Deus no
resto desta passagem:
Primeiro, ele nos aponta para a obra de Deus nos versículos 5-6:
“Deus nos deu vida juntamente com Cristo – pela graça sois salvos – e
nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar com ele nos
lugares celestiais em Cristo Jesus”. Deus ressuscitou Cristo dentre os
mortos e o fez assentar-se à sua direita (1:18-20), e ele nos fez algo
incrível em nossa união com Cristo. Deus, Paulo disse, fez os mortos
viverem. Isso é o que evoca a exclamação de Paulo: “Pela graça sois
salvos” (2:5).
Em segundo lugar, Paulo nos aponta para a motivação de Deus. Por que
Deus fez o morto reviver? Não foi por causa de nossas obras, Paulo diz
no versículo 9, nem as obras que fizemos antes de nos tornarmos
cristãos, nem as obras que temos feito depois que nos tornamos cristãos.
Caso contrário, poderíamos ter motivo para “nos gloriar” (v. 9). Em vez
disso, Paulo diz, Deus nos deu vida por causa de sua “misericórdia”, de
seu “grande amor com que nos amou” (v. 4). Paulo sai do seu caminho
para incutir em nós que o próprio amor e a misericórdia de Deus são a
fonte da nossa salvação.
Em terceiro lugar, Paulo nos aponta para o propósito de Deus. Com que
propósito Deus fez o morto reviver? Paulo diz no versículo 7, foi para
que possamos colocar em exposição, tanto agora como na eternidade, as
“riquezas imensuráveis ??da sua graça, em bondade para conosco, em
Cristo Jesus”. Como podemos fazer isso? Através da exposição em nossas
vidas da obra prima de nosso Criador e Redentor - fomos “criados em
Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que
andássemos nelas” (v. 10).
Nós somos salvos, então, sola gratia – somente pela graça de
Deus. Longe de levar-nos a abraçar uma vida de libertinagem e
imprudência moral, a graça de Deus no evangelho nos leva a buscarmos uma
vida de consagração e santidade. Por que isso acontece? O grande
compositor de hinos, Isaac Watts, capturou bem o ponto de Paulo quando
escreveu em seu hino “Quando eu vejo a maravilhosa cruz”: “Se toda a
criação me pertencesse, ainda assim seria um presente muito pequeno, se
comparado ao amor tão incrível, tão divino, que exigiria a minha alma, a
minha vida, o meu tudo”. Pense nisso da próxima vez que cantar sobre a
graça de Deus.